A Ilha da Memória

9 min de leitura 29 Nov, 2025
Chapter 2
A Ilha da Memória

O vento uivava como um animal ferido, cortando através das velas dos três navios que compunham a frota de Yampick. Já fazia quatro meses desde que haviam partido do porto de Aurora, e os suprimentos estavam perigosamente escassos. O “Faminto”, navio capitânia de Yampick, navegava à frente, seguido pelo “Águia do Mar” e o “Vendaval”. O frio intenso do extremo sul congelava até os ossos dos marinheiros mais experientes.

As nuvens escuras que se aproximavam não auguravam nada de bom. Yampick, em seus muitos anos no mar, jamais havia visto um céu tão ameaçador. As ondas, antes calmas, começaram a crescer gradualmente, transformando-se em verdadeiras montanhas de água que faziam os navios parecerem minúsculos brinquedos em uma banheira agitada.

“Amarrem tudo! Recolham as velas!” A voz de Yampick mal podia ser ouvida sobre o rugido do vento, mas seus homens, treinados e experientes, entenderam o comando. O pânico começava a se instalar quando a primeira onda gigante atingiu o “Águia do Mar”, fazendo-o inclinar perigosamente para estibordo.

A tempestade atacou com uma fúria divina. Relâmpagos cortavam o céu negro, iluminando brevemente a cena caótica. A chuva, misturada com granizo, açoitava os rostos dos marinheiros como milhares de pequenas agulhas. O frio era tanto que a água que invadia os conveses começava a congelar, tornando qualquer movimento um risco mortal.

Foi quando aconteceu. Uma onda monstruosa, maior que todas as anteriores, ergueu-se como uma parede líquida diante do “Vendaval”. Os gritos de terror foram engolidos pelo rugido das águas quando o navio foi tragado pela onda, desaparecendo completamente na escuridão tempestuosa. Yampick, do “Faminto”, assistiu impotente à destruição.

“Mantenham o curso!” ele gritava, sabendo que parar para tentar um resgate seria suicídio. Seu coração pesava, mas sua mente de capitão sabia que precisava salvar quantos pudesse.

O “Águia do Mar” lutava bravamente contra as ondas, mas seu destino já estava selado. Um estrondo ensurdecedor anunciou que seu mastro principal havia se partido. Como um animal ferido, o navio começou a adernar, suas entranhas expostas à fúria do mar. Em questão de minutos, também foi engolido pela tempestade.

Por três dias e três noites, o “Faminto” lutou contra a fúria dos elementos. Os homens trabalhavam em turnos ininterruptos, bombeando água para fora do porão, consertando o que podiam, rezando pelo que não podiam consertar. Quando finalmente a tempestade amainou, dos três orgulhosos navios que haviam partido de Aurora, apenas o “Faminto” restava.

O silêncio que se seguiu à tempestade era quase tão assustador quanto o caos que o precedera. Os sobreviventes, exaustos e enlutados, mal tinham forças para celebrar sua sobrevivência. Os suprimentos, já escassos antes da tempestade, agora eram críticos. O frio continuava intenso, e a moral da tripulação estava no seu ponto mais baixo.

Foi nesse estado de desespero que encontraram a névoa. Uma parede branca e impenetrável que se erguia do mar como um sudário. Alguns marinheiros, ainda traumatizados pela tempestade, sugeriram dar meia-volta, mas Yampick sabia que não tinham escolha. Com pouca comida, água contaminada e um navio danificado, precisavam encontrar terra firme ou morreriam no mar.

A travessia da névoa foi uma provação que testou os limites da sanidade dos marinheiros. Por dois dias, navegaram em uma escuridão quase total, onde a própria realidade parecia se distorcer. Sombras dançavam na periferia da visão, e vozes sussurrantes pareciam chamar seus nomes. O frio da névoa era diferente do frio do mar aberto — era um frio que penetrava na alma.

Yampick manteve sua tripulação unida através dessa provação com uma mistura de disciplina firme e compaixão. Organizou turnos de vigília, manteve os homens ocupados com tarefas constantes e, nas horas mais escuras, compartilhou histórias de esperança e coragem.

Quando finalmente emergiram da névoa, a visão que os aguardava era quase irreal em sua beleza. Uma ilha em formato de lua crescente estendia-se diante deles, com um vulcão adormecido erguendo-se majestosamente contra o céu. A vegetação era de um verde vibrante que parecia impossível após tantos dias de cinza e branco, e grandes aves planavam preguiçosamente sobre as copas das árvores.

O alívio foi instantâneo e avassalador. Gritos de alegria ecoaram pelo convés do “Faminto”, e até os marinheiros mais durões tinham lágrimas nos olhos. A ilha parecia um paraíso, com sua praia de areia clara e águas surpreendentemente mornas, um contraste bem-vindo com o frio que haviam suportado.

Ao se aproximarem, puderam observar melhor as características únicas da ilha. Na face externa, um imenso paredão rochoso protegia a ilha das ondas violentas do extremo sul. A praia principal, situada na parte côncava da lua crescente, oferecia um porto natural perfeito para seu navio danificado.

Exaustos, famintos e sedentos, os marinheiros mal haviam começado a explorar a orla quando ouviram movimentos vindos da mata densa. O primeiro a emergir foi um elfo ancião, sua figura imponente com quase dois metros de altura, vestido em sedas brancas que flutuavam suavemente na brisa.

A tensão inicial foi palpável. Os marinheiros, instintivamente, levaram as mãos às suas armas, mas Yampick, com um gesto firme, conteve qualquer ação precipitada. Foi quando quatro luzes azuis surgiram da mata, revelando-se como jovens elfos carregando pedras luminescentes com inscrições misteriosas.

O momento crucial veio quando o elfo ancião, com um gesto fluido, manipulou a água do mar, criando canais flutuantes que se uniram em um pequeno lago de água cristalina entre os dois grupos. O convite silencioso para beber foi um teste de confiança que Yampick não hesitou em aceitar. Após provar a água e confirmar sua pureza, permitiu que sua tripulação saciasse sua sede.

Esse primeiro ato de bondade marcou o início de uma relação extraordinária entre as duas raças. Os elfos, liderados pelo ancião que mais tarde conheceriam como Ganf'lin, acolheram os humanos com uma hospitalidade que superava qualquer expectativa. Usando sua magia, criaram abrigos de pedra para os náufragos e providenciaram um banquete que pareceu um festim divino para os marinheiros famintos.

A barreira da linguagem era um desafio, mas não um impedimento intransponível. Os elfos demonstravam uma paciência infinita em ensinar seus conhecimentos, especialmente quando perceberam o interesse dos humanos em sua magia. Embora o progresso fosse lento devido às diferenças linguísticas, cada pequeno avanço era celebrado por ambos os lados.

A ilha guardava seus próprios mistérios. A caverna no vulcão, zelosamente guardada pelos elfos, era fonte de infinita curiosidade para os humanos, embora respeitassem a proibição de se aproximar. As águas quentes que cercavam a ilha, um fenômeno inexplicável considerando sua localização no extremo sul, eram outro enigma que intrigava a todos.

O tempo passou de forma diferente durante sua estadia na ilha. Os dias se transformaram em semanas enquanto os elfos auxiliavam na reconstrução do “Faminto”. A falta de ferramentas adequadas e madeira de qualidade tornava o trabalho mais lento do que o desejado, mas a magia élfica compensava muitas das deficiências materiais.

Quando finalmente chegou a hora da partida, a transformação era visível em todos. Os marinheiros, antes rudes e desconfiados, haviam absorvido algo da graça e sabedoria élficas. Os elfos, por sua vez, pareciam ter sido contagiados pela vivacidade e pelo espírito aventureiro dos humanos.

Ganf'lin, em um gesto final de amizade, presenteou Yampick com um livro magnífico, encadernado em couro branco com detalhes dourados e uma pedra azul translúcida em sua capa. Com o livro, entregou um mapa e uma bússola primitiva, ferramentas que seriam invaluáveis em sua jornada de volta.

A despedida foi emotiva, mas não triste. Havia uma compreensão mútua de que aquele encontro, embora breve na grande escala do tempo, havia mudado permanentemente ambos os povos. Quando o “Faminto” finalmente zarpou, renovado e fortalecido, levava consigo não apenas suprimentos e conhecimentos mágicos, mas também uma nova perspectiva sobre o mundo e suas possibilidades.

Enquanto a ilha desaparecia no horizonte, Yampick refletia sobre a jornada extraordinária que os havia levado até ali. A terrível tempestade que custara duas de suas embarcações e muitas vidas preciosas havia, paradoxalmente, aberto caminho para uma descoberta que mudaria para sempre o curso da história. Com o livro de Ganf'lin seguro em sua cabine e o coração cheio de novas esperanças, ele guiou seu navio de volta para o norte, sabendo que as histórias desta aventura seriam contadas e recontadas por gerações.

 

About the Authors

Gabriel

Yampick

Elfo Ancestral Mago Arcano

"Um dos pilares da criação de Arcania."

Comments (2)

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Gabriel
Yampick Elfo Ancestral Mago Arcano há 1 semana

@Höll Yampick  como foi quando você descobriu sobre a história de Yampick Nohal?