O desespero de um rei

9 min de leitura 28 Nov, 2025
Chapter 1
O desespero de um rei

Aurora erguia-se à beira do mar como uma pintura desbotada pelo tempo, suas construções modestas de madeira e pedra contando a história de gerações de pescadores que ali fizeram seu lar. O cheiro salgado do oceano misturava-se ao aroma persistente de peixe seco e algas marinhas, uma fragrância que há muito definia a identidade daquele pequeno feudo. As casas simples, construídas em níveis ascendentes desde o porto até a colina onde se erguia o modesto castelo real, pareciam se curvar sob o peso da adversidade que agora as assolava.

O porto, antes um local de atividade frenética e alegria, agora estava silencioso, com dezenas de barcos de pesca amarrados, suas velas arriadas e cordames rangendo suavemente com a brisa marinha. As redes, antes pesadas de peixes prateados, pendiam vazias, secando ao sol inclemente que castigava a região há meses. O mar, que sempre fora generoso com Aurora, parecia ter se voltado contra seu povo, suas águas estranhamente desprovidas da abundância que por tanto tempo sustentara a comunidade.

Yampick Nohal, o Rei dos Mares, como era conhecido por seu povo, caminhava pelas docas de madeira desgastada, seus passos ecoando pesadamente sobre as tábuas antigas. Era um homem de estatura mediana, com cabelos castanhos salpicados de gris nas têmporas, e olhos verdes que costumavam brilhar com alegria, mas que agora carregavam o peso da preocupação. Seu rosto, marcado por anos de exposição ao sol e ao mar, normalmente exibia um sorriso fácil e acolhedor, característica que o tornara amado por seus súditos. No entanto, naqueles dias sombrios, suas feições estavam tensas, e as rugas em sua testa pareciam mais profundas.

Vestido com roupas simples, diferente da pompa que se esperaria de um monarca, Yampick parou para observar um grupo de crianças que brincava próximo aos armazéns vazios. Seus corpos magros e rostos pálidos eram um testemunho silencioso da fome que se espalhava pelo feudo. O coração do rei apertou-se ao ver como seus pequenos braços haviam se tornado finos, como suas costelas eram visíveis sob as roupas gastas. Era uma visão que o perseguia em seus sonhos e o atormentava durante suas horas de vigília.

A seca que assolava a região há meses fora apenas o começo. A falta de chuva afetara as pequenas hortas que complementavam a alimentação do povo, mas a verdadeira catástrofe veio com o inexplicável desaparecimento dos cardumes. As águas que sempre haviam sido generosas com Aurora agora pareciam desertas, como se alguma força misteriosa tivesse afugentado os peixes para longe da costa.

No castelo, situado no ponto mais alto da cidade, a situação não era muito diferente. Os salões que antes abrigavam modestos, mas alegres banquetes, agora estavam silenciosos, e até mesmo a família real havia reduzido suas refeições ao mínimo necessário. Yampick fizera questão de que seu povo soubesse que seu rei compartilhava de seu sofrimento, não somente em palavras, mas em ações.

A decisão de organizar uma expedição marítima não surgiu de repente. Foi o resultado de noites insones, de longas discussões com seus conselheiros, de tentativas frustradas de encontrar soluções mais próximas. Yampick havia enviado mensageiros aos feudos vizinhos, buscado ajuda por rotas comerciais conhecidas, mas as respostas foram sempre as mesmas: todos enfrentavam suas próprias dificuldades, e ninguém podia dispensar recursos para auxiliar Aurora.

O reino de Grupta, a poderosa nação ao sudeste de onde seus ancestrais haviam partido gerações atrás, mantinha uma presença ameaçadora no horizonte político. Yampick sabia que se seu povo se enfraquecesse demais, Grupta não hesitaria em anexar o território da Aurora a seus domínios. Era um pensamento que o atormentava, pois conhecia bem as histórias sobre a dureza dos governantes gruptanos.

Após semanas de preparação, três navios foram equipados com o que restava das reservas reais. Eram embarcações robustas, construídas pelos habilidosos carpinteiros navais do feudo, mas modestas se comparadas às suntuosas frotas de outros reinos. O "Faminto", navio principal que Yampick comandaria pessoalmente, tinha sido reformado e reforçado para a longa jornada que os aguardava. Yampick escolheu este nome para o navio, para que durante sua viagem, se lembrasse a todo instante do motivo pela qual estava se aventurando em águas desconhecidas.

Na véspera da partida, o rei reuniu-se com sua família no salão principal do castelo. Sua esposa, a rainha Elara, uma mulher de força silenciosa e sabedoria gentil, segurou suas mãos entre as suas. "Você sempre foi mais do que um rei para nosso povo", ela disse, sua voz tremendo levemente. "Você é a esperança deles, Yampick. Volte para nós." Seu único filho, ainda muito pequeno para compreender completamente a gravidade da situação, abraçou suas pernas, enquanto chorava silenciosamente.

Na manhã da partida, o porto de Aurora Arcana estava repleto como não se via há meses. Parecia que toda a população havia descido até a orla para despedir-se de seu rei e dos marinheiros que o acompanhariam. O ar estava carregado de emoção, uma mistura de medo e esperança que pairava sobre a multidão como uma névoa densa.

Yampick caminhou lentamente pelo trapiche que levava ao "Faminto", parando ocasionalmente para apertar mãos, abraçar velhos amigos e confortar os que choravam. Seu coração estava pesado, mas sua determinação era inabalável. Ao chegar à prancha de embarque, virou-se para enfrentar seu povo uma última vez.

O silêncio que se seguiu foi absoluto, quebrado apenas pelo suave bater das ondas contra os cascos dos navios e o ocasional grito das gaivotas que sobrevoavam o porto. Yampick observou os rostos que o encaravam — pescadores endurecidos pelo mar, mães preocupadas com seus filhos nos braços, anciãos que haviam conhecido seu pai e seu avô, crianças que representavam o futuro de Aurora.

“Meu povo”, sua voz soou clara e forte, carregando-se sobre a água, “hoje não parto apenas como seu rei, mas como um pai que não pode suportar ver seus filhos sofrerem. Prometo a vocês, pelo amor que tenho a esta terra e a cada um de vocês, que não retornarei de mãos vazias. Vou trazer de volta a abundância para nosso lar, nem que para isso tenha que navegar até os confins do mundo!”

Suas palavras foram recebidas com aclamação, uma explosão de esperança que pareceu, por um momento, afastar as sombras que pairavam sobre Aurora. Os marinheiros, escolhidos entre os mais experientes do feudo, tomaram seus postos com determinação nos olhos. Não havia presságios sombrios, em seus corações residiam somente a confiança em seu rei e a certeza de que sua missão era justa e necessária.

Quando as velas foram içadas e os navios começaram a se afastar do porto, o nascer do sol pintava o céu em tons de laranja e rosa, criando um espetáculo de cores que parecia abençoar a partida. As pessoas permaneceram no porto até que as embarcações não fossem mais que pontos no horizonte, suas preces e esperanças seguindo com a flotilha que carregava seu futuro.

A jornada que se iniciava era um salto no desconhecido. As cartas náuticas que possuíam mostravam apenas as rotas conhecidas para o norte e oeste, territórios já explorados que não mais ofereciam solução para seus problemas. O sul era um mistério, um vasto oceano de águas geladas inexplorado, que poderia conter tanto salvação quanto perdição.

Enquanto Aurora Arcana diminuía à distância, Yampick permaneceu na popa do "Faminto", seus olhos fixos na terra que deixava para trás. O peso da responsabilidade em seus ombros era imenso, mas em seu coração ardia uma determinação feroz. Ele sabia que não tinha escolha senão o sucesso — o futuro de seu povo, a sobrevivência de Aurora, dependia do que encontrariam além do horizonte conhecido.

As últimas luzes do dia mergulharam o mundo em tons de púrpura e azul profundo, e as primeiras estrelas começaram a pontilhar o céu. A expedição de Yampick Nohal havia começado, levando consigo as esperanças e sonhos de todo um povo, navegando em direção a um destino que nenhum deles poderia prever.

 

About the Authors

Gabriel

Yampick

Elfo Ancestral Mago Arcano

"Um dos pilares da criação de Arcania."

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