Avanço ao sul

40 min de leitura 01 Dec, 2025
Chapter 3
Avanço ao sul

O sol nascente tingia de dourado as bandeiras do recém-formado Reino de Ranael, que tremulavam orgulhosamente sobre o imenso acampamento militar. O cenário era de uma atividade febril — milhares de homens preparavam-se para a marcha, enquanto o eco de comandos, o relinchar de cavalos e o ranger de carroças de suprimentos misturavam-se numa sinfonia de guerra. A campanha que unificara o norte havia sido apenas o início. Agora, o verdadeiro desafio aguardava além da densa Floresta de Gariel, que separava como uma muralha verde o norte conquistado do promissor sul.

Ranael, imponente em sua armadura de batalha, contemplava o mapa estendido sobre a mesa em sua tenda de comando. Seus dedos traçavam o caminho que seu exército seguiria — uma rota sinuosa pela borda oriental da floresta, margeando a encosta das montanhas. Ao seu lado, Ul'ham observava, com expressão pensativa, seu martelo de guerra descansando contra a mesa.

“O caminho que meus engenheiros construíram não foi feito para um exército deste tamanho”, comentou Ul'ham, sua voz profunda carregando um tom de preocupação. “Levará tempo e testará nossa determinação!”.

Ranael assentiu, seus olhos fixos no desenho da floresta no mapa. “Quanto tempo?” perguntou, direto como sempre.

“Duas semanas, na melhor das hipóteses”, respondeu Ul'ham. “A floresta é densa, o terreno traiçoeiro. Há trechos onde precisaremos marchar em fileiras estreitas”.

“E os perigos?”

Um leve sorriso surgiu nos lábios de Ul'ham. “Gariel guarda seus segredos há milênios. Criaturas que poucos homens viram e viveram para contar. Terrenos que mudam durante a noite. E o clima… imprevisível, como se a própria floresta reagisse à nossa presença.”.

Os olhos de Ranael brilharam com o desafio. Erguendo-se em toda sua altura, proclamou: “Então que assim seja. Os Campos de Laukai nos aguardam, e depois deles, o resto do sul cairá como frutos maduros”.

A marcha começou ao amanhecer seguinte. O exército, uma massa impressionante de setenta mil homens de Ranael e vinte mil paladinos de Ygha, estendia-se como uma enorme serpente metálica pela paisagem. À frente, a Floresta de Gariel erguia-se como uma barreira verde impenetrável, seus troncos antigos e copas densas bloqueando quase toda a luz do sol.

O caminho construído por Ygha era uma maravilha de engenharia adaptativa. Em vez de tentar cortar através da floresta impenetrável, os engenheiros haviam identificado uma passagem natural que corria entre o limite leste da floresta e a encosta das montanhas. Este corredor havia sido ampliado, reforçado e parcialmente pavimentado, criando uma rota sinuosa que serpenteava como um rio estreito entre duas forças naturais implacáveis.

Os primeiros dias de marcha foram relativamente tranquilos. O caminho, embora estreito em alguns pontos, permitia que o exército avançasse em formação reduzida, mas constante. Os engenheiros de Ygha lideravam a coluna, realizando reparos rápidos onde necessário e guiando o exército pelos trechos mais difíceis. A cada poucos quilômetros, pequenos postos de apoio haviam sido previamente estabelecidos, permitindo descanso e reabastecimento.

Contudo, ao quinto dia, a benevolência da floresta chegou ao fim.

O céu escureceu repentinamente, como se a noite tivesse decidido cair no meio do dia. Nuvens negras e pesadas rolaram sobre as copas das árvores, trazendo consigo uma tempestade de proporções mitológicas. A chuva caía em cortinas tão densas que era quase impossível enxergar além de alguns metros, enquanto relâmpagos cortavam o céu, iluminando momentaneamente o cenário caótico.

“Formação cerrada! Protejam os suprimentos!” trovejou Ranael, sua voz quase perdida no rugido da tempestade.

O verdadeiro perigo, no entanto, não vinha do céu, mas do solo sob seus pés. A água torrencial transformou o caminho em um lamaçal traiçoeiro e provocou deslizamentos nas encostas. Em questão de horas, partes inteiras da rota haviam desaparecido sob avalanches de lama e rochas.

Foi durante esta noite terrível que Ranael testemunhou pela primeira vez o incrível valor dos paladinos de Ygha. Enquanto seus próprios homens buscavam abrigo e lutavam para sobreviver, os guerreiros de Ul'ham trabalhavam infatigavelmente sob a tempestade, usando sua força sobre-humana e sua fé inabalável para estabilizar encostas, resgatar soldados presos e proteger os suprimentos vitais.

No centro da tempestade, Ul'ham permanecia imóvel como uma estátua, seu martelo erguido ao céu. De seus lábios, palavras ancestrais fluíam em uma língua que Ranael não compreendia. Uma luz tênue emanava das rachaduras da pedra do martelo, criando uma esfera de proteção ao redor do acampamento principal.

Ranael, ensopado até os ossos, mas determinado a não demonstrar fraqueza, aproximou-se do paladino. “Impressionante”, admitiu, com água escorrendo por seu rosto. “Sua fé tem aplicações práticas, vejo”.

Os olhos de Ul'ham abriram-se, brilhando com uma luz interna que não era totalmente humana. “Os deuses não nos dão poder para ostentação, Ranael, mas para servir a propósitos maiores”.

Por três dias, a tempestade castigou o exército, testando cada homem até o limite. Quando finalmente amainava, deixou para trás um rastro de destruição que exigiu outros dois dias de trabalho árduo para ser reparado o suficiente para continuar a marcha.

Contudo, a tempestade foi apenas o primeiro dos desafios. Ao entrar nas partes mais profundas do corredor entre a floresta e as montanhas, o exército começou a testemunhar eventos inexplicáveis. Sentinelas desapareciam silenciosamente durante a noite. Sombras moviam-se entre as árvores, demasiado grandes para serem animais conhecidos. Sons estranhos ecoavam pela floresta — não gritos de pássaros ou uivos de lobos, mas algo entre um sussurro e um canto, melódico e perturbador.

Na décima noite, ocorreu o primeiro ataque direto. Criaturas que lembravam vagamente panteras, mas com o tamanho de cavalos e pele que parecia absorver a luz ao redor, irromperam de entre as árvores, atacando uma seção do acampamento. Seus olhos brilhavam com uma inteligência fria e calculista, e seus movimentos eram coordenados como os de caçadores experientes.

A batalha foi breve, mas sangrenta. As criaturas, que os homens logo chamaram de “sombras-espreitadoras”, mataram dezenas de soldados antes que uma resposta organizada pudesse ser montada. Quando Ranael e Ul'ham chegaram ao local, liderando um contingente de paladinos, as criaturas recuaram para a escuridão da floresta, levando consigo pedaços de armaduras e armas.

“Elas estão testando nossas defesas”, observou Ul'ham, examinando as pegadas profundas deixadas na terra úmida. “E aprendendo”.

“Aprendendo?”, Ranael franziu o cenho, limpando a Lâmina da Alma, que brilhava com um fulgor azulado na escuridão.

“Observe”, Ul'ham apontou para as marcas de garras. “Elas não atacaram aleatoriamente. Visaram os arsenais, as tendas dos oficiais. Isso não é comportamento animal comum”.

Daquela noite em diante, a guarda foi redobrada. Fogueiras maiores foram mantidas acesas durante toda a noite, e os paladinos estabeleceram um perímetro de proteção espiritual ao redor do acampamento. As sombras-espreitadoras retornaram duas vezes mais, cada ataque mais calculado que o anterior, mas encontraram o exército preparado.

No décimo quarto dia, quando o sol da manhã finalmente revelou o fim da floresta e o início dos vastos Campos de Laukai, um suspiro coletivo de alívio percorreu as fileiras. A travessia havia custado tempo precioso e quase duzentas vidas, mas o exército havia emergido relativamente intacto e, de certa forma, mais unido pela adversidade compartilhada.

Ranael, montado em seu corcel de guerra negro, contemplou os campos verdejantes que se estendiam até o horizonte. Um leve sorriso formou-se em seus lábios.

“O sul nos aguarda”, disse, sua voz carregando uma mistura de determinação e antecipação.

Ao seu lado, Ul'ham assentiu silenciosamente, seus olhos examinando não apenas a beleza dos campos, mas também avaliando as defesas distantes que podiam ser vislumbradas — torres de vigia, assentamentos fortificados, e ocasionais flashes de luz que denunciavam a presença de magia arcana.

“Sim”, concordou finalmente. “E pela primeira vez, enfrentaremos o poder que mudou este continente — o arcanismo”.

Os Campos de Laukai estendiam-se como um tapete esmeralda pontilhado por quatro reinos distintos, cada um com suas próprias características geográficas e culturais. Separados por rios, colinas suaves e ocasionais florestas menores, estes reinos haviam prosperado por gerações, protegidos pela Floresta de Gariel ao norte e mantendo relações comerciais prósperas com os outros domínios do sul.

O primeiro alvo escolhido por Ranael foi Montanus, o Reino da Terra, situado nas encostas das montanhas orientais. Conhecido por seu solo fértil que produzia frutas raras e especiarias valiosas, Montanus era uma cidade-fortaleza esculpida na própria montanha, suas torres e muralhas parecendo crescer naturalmente da rocha.

Enquanto o exército avançava pelos campos em direção às encostas, os batedores retornaram com notícias preocupantes.

“Eles sabem que estamos vindo, meu rei”, relatou o comandante da vanguarda. “Montanus evacuou os vilarejos da planície e concentrou suas forças na cidade-fortaleza. Temos relatos de… manifestações estranhas”.

“Que tipo de manifestações?”, inquiriu Ranael.

“Pedras que se movem sozinhas, meu senhor. Muralhas que crescem da noite para o dia. E guerreiros que parecem feitos da própria montanha”.

Ranael e Ul'ham trocaram olhares. Era o primeiro indício do poder arcano que enfrentariam.

A aproximação a Montanus confirmou os relatos. À medida que o exército subia as encostas, deparou-se com barreiras recém-erguidas — muralhas de pedra que não exibiam marcas de ferramentas ou argamassa, como se tivessem brotado do próprio solo. Tentativas de escalá-las resultavam em fragmentos de rocha que ganhavam vida momentaneamente, atacando os invasores antes de retornarem à inércia.

“Impressionante”, murmurou Ul'ham, examinando uma destas pedras aparentemente comuns. “O arcanismo permite manipular a própria essência dos elementos. Este é apenas um vislumbre do que a Aurora Arcana deve ser capaz.”.

A primeira batalha real ocorreu quando o exército atingiu os portões externos da cidade-fortaleza. Ao contrário das guerras tradicionais, onde exércitos se confrontavam em campo aberto, esta foi uma demonstração assustadora de poder arcano.

Os defensores de Montanus, postados sobre as muralhas e torres, não lançaram flechas ou pedras comuns. Em vez disso, ergueram suas mãos nas quais seguravam pedras com símbolos gravados. Ao canalizarem energia através desses talismãs, enviaram projéteis de rocha que se fragmentavam no ar, transformando-se em enxames de lascas afiadas que choviam sobre os atacantes.

Outros defensores canalizavam sua magia diretamente para o solo sob os pés do exército invasor. A terra tremia, abria-se em fissuras, ou endurecia repentinamente prendendo botas e patas de cavalos.

Os soldados de Ranael, apesar de sua disciplina e experiência, hesitaram diante desta forma desconhecida de combate. Alguns recuaram instintivamente, outros ficaram paralisados de espanto. Foi neste momento crítico que os paladinos de Ygha provaram seu valor inestimável.

Avançando em formação cerrada, os paladinos ergueram seus escudos maciços, formando uma barreira quase impenetrável. As lascas de pedra e os projéteis arcanos ricocheteavam inofensivamente, enquanto os guerreiros sagrados continuavam sua marcha constante, imperturbáveis como a maré que avança.

“Avançar sob proteção dos paladinos!” ordenou Ranael, sua voz cortando a confusão da batalha. “Arqueiros, concentrem fogo nas posições dos arcanistas! Catapultas, mirem nas torres secundárias!”

A estratégia funcionou. Protegidos pelos paladinos, os soldados regulares recuperaram a coragem e organizaram-se para o ataque. As flechas, disparadas em volumes maciços, forçaram os arcanistas a recuar ou desconcentrarem-se de seus feitiços. As catapultas, embora menos eficazes contra muralhas reforçadas por magia, criavam pontos de distração valiosos.

Ainda assim, o avanço era lento e custoso. Apesar da superioridade numérica esmagadora, cada metro conquistado exigia sangue e suor. Foi quando Ranael, observando o padrão de defesa inimigo, identificou uma possível fraqueza.

“Seus arcanistas não são experientes”, disse a Ul'ham enquanto observavam a batalha de uma posição elevada. “Veja como há pausas entre suas manifestações. E como dependem daquelas pedras para canalizar poder.”.

Ul'ham assentiu. “Concordo. Estes não são magos treinados como os de Aurora Arcana, mas praticantes que aprenderam o suficiente para se defenderem. Suas runas são simples, quase rudimentares”.

“Então criaremos um ponto de pressão”, decidiu Ranael. “Concentraremos o ataque em um único ponto da muralha, com força esmagadora. Quando abrirem uma brecha, seus Paladinos entrarão primeiro”.

O plano foi executado com precisão militar. Ranael liderou pessoalmente a investida ao ponto escolhido da muralha — uma seção que parecia menos reforçada por magia. Enquanto isso, ataques diversivos mantinham os defensores ocupados em outros setores.

Quando a brecha foi finalmente aberta, após horas de bombardeio concentrado, os paladinos de Ygha entraram como uma onda implacável. Seus martelos e maças, abençoados pelos deuses gêmeos, provaram-se eficazes não somente contra inimigos comuns, mas também contra as construções reforçadas por arcanismo. A luz divina que emanava de suas armas parecia neutralizar temporariamente a magia arcana, permitindo que estruturas aparentemente indestrutíveis fossem reduzidas a escombros.

A cidade-fortaleza de Montanus caiu ao anoitecer. Seu rei, um homem corpulento com runas tatuadas nos braços, lutou até o fim, usando seu controle sobre a terra para transformar o próprio salão do trono em uma armadilha mortal. Mas mesmo este último ato de defesa desesperada não foi páreo para a Lâmina da Alma de Ranael.

Com um único golpe, o rei de Ranael decapitou o governante de Montanus. Como acontecera tantas vezes antes, a lâmina mágica drenava a vida de sua vítima, curando quaisquer ferimentos que seu portador houvesse sofrido. O corpo do rei caído murchou visivelmente, enquanto os cortes e contusões no corpo de Ranael desapareciam como neve sob o sol do verão.

A conquista de Montanus serviu como modelo para os reinos seguintes. Argüs, o Reino do Fogo, situado em terreno árido e semidesértico, foi o próximo a cair. Seus defensores, embora menos numerosos devido às condições mais duras de seu território, compensavam com o domínio impressionante do elemento fogo.

A batalha por Argüs transformou a paisagem já desolada em um inferno literal. Feiticeiros arcanos canalizavam seu poder através de runas vermelhas que brilhavam como carvões em brasa, invocando muralhas de chamas, projéteis incandescentes e ocasionalmente convocando elementais de fogo — criaturas humanoides compostas inteiramente de chamas vivas que avançavam impiedosamente contra os invasores.

Desta vez, porém, o exército do norte estava preparado para enfrentar o arcanismo. Os paladinos de Ygha, cujos escudos e armaduras haviam sido abençoados com proteções específicas contra o fogo, formavam a linha de frente. Atrás deles, equipes especializadas carregavam barris de água e terra, usados para controlar os incêndios que inevitavelmente se espalhavam pelo campo de batalha.

Ranael, novamente demonstrando sua astúcia tática, aproveitou-se dos próprios feitiços inimigos. Quando um grupo particularmente agressivo de arcanistas criou uma ampla muralha de fogo para bloquear o avanço central, o rei ordenou que suas catapultas lançassem projéteis por cima das chamas, diretamente contra as reservas de óleo e outros combustíveis que alimentavam a magia arcana.

A explosão resultante foi espetacular e devastadora, criando uma abertura que os invasores rapidamente exploraram. A cidade principal de Argüs, com suas torres de pedra vermelha e casas baixas construídas para resistir ao calor, caiu após três dias de cerco.

Celerus, o Reino do Vento, apresentou desafios diferentes. Situado em grandes planícies abertas constantemente varridas por ventos fortes, Celerus não possuía as defesas naturais de seus vizinhos. Em vez disso, seus habitantes haviam desenvolvido uma forma de arcanismo que manipulava o ar e as correntes atmosféricas.

À medida que o exército do norte se aproximava, foi recebido não por muralhas ou barreiras físicas, mas por tornados artificiais, tempestades de areia convocadas do nada e rajadas de vento tão fortes que podiam arrancar um homem de sua sela. Os arcanistas de Celerus, vestidos em túnicas leves que esvoaçavam dramaticamente ao seu redor, flutuavam acima do campo de batalha, sustentados por suas próprias correntes de ar.

Aqui, a estratégia convencional provou-se quase inútil. Catapultas e arcos perdiam eficácia contra alvos que podiam simplesmente desviar projéteis com correntes de ar. A infantaria tradicional avançava lentamente, lutando contra vendavais contínuos que dificultavam cada passo.

Foi Ul'ham quem propôs a solução. “O ar pode ser manipulado, mas não pode ser negado”, explicou a Ranael durante um conselho de guerra improvisado. “Meus paladinos podem canalizar a presença divina dos deuses para criar bolsões de calmaria — áreas onde o ar responde apenas à vontade divina, não ao arcanismo”.

A tática revelou-se eficaz. Avançando em formações circulares com paladinos ao centro entoando cânticos sagrados, o exército criou “zonas seguras” móveis, que gradualmente penetraram as defesas atmosféricas de Celerus. Quando as primeiras unidades atingiram os arcanistas, a batalha transformou-se rapidamente em uma série de combates corpo-a-corpo onde a superioridade numérica e o treinamento superior dos invasores garantiram a vitória.

A cidade principal de Celerus, uma coleção impressionante de torres altas e delgadas conectadas por pontes suspensas, ofereceu resistência mínima após a derrota de suas forças de campo. Seu governante, ao contrário dos outros, ofereceu rendição formal ao perceber que a derrota era inevitável.

Ranael aceitou a rendição com um sorriso frio e, horas depois, executou o governante mesmo assim. “A lealdade nascida do medo é fugaz”, explicou a Ul'ham enquanto observavam a cidade conquistada do alto de uma das torres. “A lealdade nascida da ausência de alternativas é muito mais confiável”.

Com três dos quatro reinos de Laukai conquistados, apenas Hyberüs, o Reino da Água, permanecia independente. Situado principalmente em uma grande ilha a leste da costa, Hyberüs apresentava um desafio logístico que os outros não haviam imposto: o mar.

O exército do norte, predominantemente terrestre, encontrava-se diante de um obstáculo que não podia ser simplesmente atravessado ou contornado. Para complicar ainda mais, Hyberüs possuía uma frota considerável, que patrulhava constantemente o estreito entre o continente e a ilha.

“Precisamos de navios”, declarou Ranael durante o conselho de guerra, seu dedo traçando a distância até a ilha no mapa. “Quantos podemos construir e quão rapidamente?”

Ul'ham considerou a questão por um momento, calculando mentalmente os recursos disponíveis e as habilidades de seus engenheiros.

“Com a madeira das florestas próximas e o conhecimento de construção naval de meus homens, poderíamos construir barcaças de transporte simples — não navios de guerra, mas suficientes para transportar tropas. Precisaríamos de três semanas”.

“Três semanas…” Ranael franziu o cenho, claramente desagradado com a demora, mas realista quanto às alternativas. “Que assim seja. Enquanto isso, consolidaremos nosso controle sobre os territórios conquistados e estudaremos o inimigo.”

As três semanas seguintes foram de intensa atividade. As florestas próximas ecoavam com o som constante de machados, enquanto os carpinteiros trabalhavam incessantemente nas praias improvisando estaleiros. Simultaneamente, batedores e espiões observavam cuidadosamente os padrões de patrulha da frota de Hyberüs, buscando identificar o momento ideal para a travessia.

Foi durante este período de preparação que os relatórios sobre os habitantes não-humanos de Hyberüs começaram a chegar com mais detalhes. Os Nalens, como eram chamados, eram uma raça humanoide com características anfíbias distintas. Com altura média de 1,65m e constituição robusta, sua pele apresentava tons de verde e azul claro, com o que pareciam ser pequenas escamas muito finas. Suas mãos e pés eram ligeiramente palmados, adaptados para natação eficiente, e seus rostos exibiam o que pareciam ser fendas branquiais vestigiais próximas às mandíbulas.

“Eles vivem em harmonia com os humanos na ilha?” perguntou Ranael, intrigado com os relatos.

“Aparentemente sim”, respondeu o espião. “Hyberüs é um centro comercial próspero, e os Nalens são navegadores e mercadores excepcionais. Conhecem rotas marítimas que nenhum humano mapeou e podem prever padrões climáticos com precisão impressionante.”

Quando finalmente a flotilha de transporte estava pronta — cerca de cem barcaças robustas, mas simples, cada uma capaz de transportar cinquenta homens — Ranael ordenou o ataque para ocorrer durante a madrugada, quando a visibilidade seria reduzida e as patrulhas de Hyberüs estariam no ponto mais distante de sua rota.

A travessia começou sob um céu sem lua, com apenas as estrelas para guiar as embarcações. Os remos, envoltos em panos para abafar o som, moviam-se silenciosamente pela água escura. A tensão era palpável, cada homem consciente de que, se descobertos no meio do estreito, seriam extremamente vulneráveis.

Milagrosamente, a travessia ocorreu sem incidentes. As primeiras barcaças atingiram a costa norte da ilha pouco antes do amanhecer, permitindo que um contingente significativo desembarcasse antes que o alarme pudesse ser dado.

A batalha pela ilha de Hyberüs foi diferente de todas as anteriores. Em vez de um confronto direto em campo aberto ou um cerco a uma cidade fortificada, transformou-se em uma série de escaramuças urbanas nas ruas da cidade portuária principal, entre edifícios comerciais, armazéns e residências.

Os defensores usavam o arcanismo aquático de maneiras surpreendentes — manipulando a água não apenas do mar próximo, mas também dos poços, cisternas e até da umidade do ar. Jatos de água pressurizada cortavam através de armaduras como se fossem tecidos, enquanto névoas densas reduziam a visibilidade a poucos metros, desorientando os invasores.

Foi durante estas batalhas urbanas que os invasores enfrentaram os Nalens pela primeira vez. Mais adaptados ao ambiente aquático que os humanos, os Nalens surgiam repentinamente de canais e reservatórios, atacavam com velocidade e precisão impressionantes, e desapareciam novamente antes que uma resposta coordenada pudesse ser organizada.

Ranael, acostumado a batalhas convencionais onde podia usar sua força esmagadora, encontrou-se frustrado por esta forma de guerra de guerrilha. Sua irritação transformou-se em ódio direcionado aos Nalens, cuja aparência ele considerava repulsiva e cujas táticas via como covardes.

“Vamos drenar cada poço, cada canal, cada maldito reservatório desta ilha”, ordenou após um ataque particularmente eficaz dos Nalens que custou a vida de vários oficiais. “E quando encontrarmos estes seres, não haverá misericórdia.”

Foi neste momento crítico que Ul'ham interveio, utilizando argumentos estratégicos e políticos para moderar a fúria de Ranael.

“Meu rei”, começou, sua voz calma, mas firme, “considere a situação do ponto de vista estratégico mais amplo. Os Nalens não são apenas habitantes desta ilha, mas uma raça com território próprio além do horizonte. Se massacrarmos sua população aqui, estaremos efetivamente declarando guerra a toda uma civilização.”

Ranael franziu o cenho, mas Ul'ham continuou:

“Com nosso exército comprometido com a conquista do sul continental, não podemos nos dar ao luxo de abrir uma segunda frente de batalha, especialmente uma marítima onde não temos vantagem. Os Nalens poderiam facilmente atacar nossas costas enquanto estamos ocupados com Aurora Arcana.”

O argumento era sólido, e Ranael era pragmático o suficiente para reconhecer sua validade, apesar de sua repulsa pessoal pelos Nalens.

“O que sugere, então?”, perguntou finalmente.

“Expulsão em vez de extermínio”, respondeu Ul'ham. “Permitimos que retornem para suas terras de origem, levando apenas seus pertences pessoais. Ganhamos a ilha sem criar um inimigo permanente.”

Após consideração, Ranael concordou, embora a contragosto. Um decreto foi emitido dando aos Nalens três dias para evacuar a ilha, levando apenas o que pudessem carregar. A cena que se seguiu foi de tristeza controlada — famílias Nalen reunindo-se nos portos, carregando trouxas com seus pertences, embarcando silenciosamente em navios adornados com símbolos aquáticos elaborados. Muitos humanos de Hyberüs, com lágrimas nos olhos, despediram-se de amigos e sócios comerciais de longa data.

Em uma semana, Hyberüs havia sido completamente subjugada. O último dos quatro reinos de Laukai estava agora sob o controle do norte unificado.

Com a conquista completa dos Campos de Laukai, Ranael dedicou-se a reorganizar os territórios subjugados em uma estrutura administrativa coerente. Em vez de manter quatro reinos separados com governos distintos, decidiu unificá-los sob uma única entidade: o Reino Elementare.

A escolha do nome não foi acidental. Cada um dos antigos reinos passou a ser identificado primariamente pelo elemento que havia dominado em seu arcanismo: Montanus tornou-se o Reino das Terras Férteis, Argüs o Reino do Fogo Ardente, Celerus o Reino dos Ventos Uivantes, e Hyberüs o Reino do Mar Profundo.

Para facilitar a administração conjunta, Ranael estabeleceu um novo assentamento na confluência das principais rotas comerciais que conectavam os quatro territórios. Este vilarejo, chamado simplesmente de Elementare, cresceu rapidamente para se tornar o centro administrativo regional, onde um conselho de governadores  (todos leais a Ranael, naturalmente) coordenava questões que afetavam o reino como um todo.

Uma cerimônia formal foi realizada para estabelecer oficialmente o Reino Elementare. Sob o céu aberto na praça central de Elementare, Ranael apresentou os quatro governadores que havia designado — veteranos de confiança de suas campanhas do norte. Cada um recebeu um medalhão representando seu território e elemento: terra, fogo, ar e água.

“Estes quatro elementos, unidos sob minha autoridade, formarão a base do novo sul”, proclamou Ranael, sua voz projetando-se sobre a multidão de soldados e civis locais que haviam sido obrigados a comparecer. “Como estes elementos se complementam na natureza, assim também os quatro reinos prosperarão juntos — sob a liderança do norte!”

Enquanto Ranael conduzia os assuntos públicos da reorganização territorial, Ul'ham silenciosamente implementava seu próprio projeto secreto. Em um vale remoto encravado entre três montanhas imponentes, na extremidade sudeste da cadeia montanhosa que haviam atravessado, o Supremo Paladino estabeleceu as fundações de Punho do trovão, o Reino Oculto do Trovão.

A localização havia sido escolhida meticulosamente: sem estradas ou caminhos conhecidos levando ao vale, completamente oculto por picos elevados, e com uma única passagem estreita facilmente defensável. Para estabelecer este posto avançado secreto, Ul'ham recorreu a uma estratégia engenhosa.

Durante uma das batalhas mais ferozes por Argüs, ele deliberadamente “perdeu” um contingente de seus melhores paladinos em uma suposta emboscada. Os homens, que haviam sido instruídos previamente, desapareceram no caos da batalha apenas para se reagruparem secretamente e marcharem para o vale designado. Simultaneamente, mensageiros haviam sido enviados ao Conselho de Ygha, instruindo o envio discreto de recursos e pessoal adicional.

Quando Ranael questionou sobre o destino da unidade perdida, Ul'ham ofereceu uma expressão pesarosa e comentou sobre os sacrifícios necessários na guerra, encerrando efetivamente o assunto.

O propósito de Punho do trovão era múltiplo: servir como base avançada para operações de Ygha no sul, treinar uma nova ordem de guerreiros especializados em técnicas híbridas combinando poder divino e conhecimentos arcanos capturados, e garantir que, independentemente do resultado da campanha, Ygha mantivesse uma presença estratégica na região.

A descoberta mais significativa ocorreu quase por acidente. Um dos paladinos, estudando runas arcanas capturadas, teorizou que os mesmos princípios usados para gravar poder em pedra poderiam ser aplicados ao corpo humano. As primeiras experiências foram desastrosas — o guerreiro voluntário morreu instantaneamente quando a runa foi ativada, seu corpo incapaz de conter o poder.

Testes subsequentes, no entanto, revelaram um padrão: quanto mais forte e disciplinado o guerreiro, maior sua capacidade de suportar e canalizar o poder das runas corporais. Nasceu assim a Ordem dos Monges, guerreiros de elite cujos corpos eram adornados com runas cuidadosamente selecionadas e adaptadas, permitindo-lhes realizar façanhas que combinavam aspectos do divino e do arcano.

Estes desenvolvimentos permaneceram completamente desconhecidos para Ranael, cujo foco estava firmemente direcionado para o próximo e maior desafio: a conquista de Grupta.

Grupta erguia-se majestosa no horizonte, suas muralhas de pedra cinza-clara reforçadas por runas arcanas brilhantes que formavam padrões hipnóticos ao longo de toda a estrutura. A cidade, muito maior que qualquer uma das capitais dos Reinos Elementais, estendia-se por quilômetros, cercada por campos cultivados e canais de irrigação que partiam do grande rio que a atravessava.

Mesmo à distância, a prosperidade e o poder de Grupta eram evidentes. As torres que se erguiam acima das muralhas combinavam a solidez da pedra tradicional com elementos que desafiavam a física comum — seções que pareciam flutuar sem suporte, pontes impossivelmente delgadas conectando estruturas maciças, e ocasionais explosões controladas de energia arcana que iluminavam o céu como auroras artificiais.

O exército do norte estabeleceu acampamento a uma distância segura, fora do alcance dos dispositivos defensivos da cidade. Os batedores enviados para reconhecimento retornaram com relatos que combinavam admiração e preocupação.

“As muralhas são reforçadas por magia muito mais avançada que tudo que vimos até agora”, relatou o comandante da unidade de reconhecimento. “E suas armas de cerco… são como nada que já enfrentamos. Catapultas que lançam óleo incandescente guiado por runas, projéteis explosivos que se fragmentam no ar, e algo completamente novo — esferas de metal preenchidas com algum tipo de pó que provoca explosões devastadoras.”

Ranael e Ul'ham estudaram o relatório em silêncio, cada um avaliando as implicações deste novo nível de desafio.

“Um cerco convencional será prolongado e custoso”, observou Ul'ham. “E mesmo que consigamos abrir uma brecha, as defesas internas parecem igualmente formidáveis.”

Ranael assentiu, sua expressão pensativa. “Então começaremos com um cerco, mas buscaremos ativamente pontos fracos. Todo sistema tem falhas, mesmo um aparentemente impenetrável.”

O cerco de Grupta iniciou-se formalmente na manhã seguinte, com o posicionamento estratégico de unidades de bloqueio em todas as estradas e rotas de acesso à cidade. Simultaneamente, engenheiros militares começaram a construir plataformas elevadas para as catapultas e outras máquinas de cerco.

A resposta de Grupta foi imediata e impressionante. Antes mesmo que a primeira pedra pudesse ser lançada contra suas muralhas, projéteis arcanos voaram das torres defensivas, explodindo com precisão perturbadora entre as linhas sitiantes. Cada explosão deixava uma cratera perfeitamente circular e emanava um brilho residual que sugeria energia arcana persistente.

Nos dias que se seguiram, estabeleceu-se um impasse tenso. O exército de Ranael, apesar de sua superioridade numérica, encontrava dificuldades para posicionar suas máquinas de cerco em um alcance efetivo devido ao contra-ataque constante. Por outro lado, as forças de Grupta, embora tecnologicamente superiores, estavam efetivamente encurraladas na cidade, incapazes de romper o bloqueio que lentamente estrangulava seu suprimento de recursos.

Semanas transformaram-se em meses. O cerco arrastava-se, consumindo recursos de ambos os lados. Dentro da cidade, um racionamento rigoroso foi implementado, embora os amplos armazéns de Grupta, combinados com sua agricultura urbana intensiva, permitissem que resistissem por muito mais tempo que uma cidade comum.

Foi durante o segundo mês de cerco que Ul'ham notou algo peculiar. A cada três dias, precisamente ao meio-dia, as runas que reforçavam as muralhas da cidade brilhavam com intensidade muito maior por aproximadamente uma hora, antes de retornarem ao seu estado normal.

“Eles estão recarregando as runas”, teorizou Ul'ham após observar o padrão repetir-se várias vezes. “O poder arcano não é permanente — precisa ser renovado periodicamente.”

A informação era valiosa, mas inicialmente não oferecia vantagem tática óbvia. As muralhas, mesmo em seu estado “descarregado”, permaneciam formidáveis. Contudo, conforme o cerco se prolongava, Ul'ham notou uma mudança sutil.

“O intervalo entre recargas está aumentando”, informou a Ranael durante uma reunião de estratégia. “Começou com três dias, depois passou para cinco, agora está em sete. Suspeito que seus arcanistas estão enfrentando dificuldades para manter o cronograma original.”

A razão, embora desconhecida para os sitiantes, era simples: as runas avançadas de Grupta haviam sido originalmente criadas por arcanistas de Aurora Arcana, e idealmente precisavam ser recarregadas por especialistas com treinamento equivalente. Com o bloqueio impedindo a chegada de novos suprimentos e conselheiros arcanos, os arcanistas locais estavam forçados a improvisar, com eficácia decrescente.

Ranael viu imediatamente a oportunidade estratégica. “Observaremos por mais um ciclo para confirmar o padrão. Se estiver correto, atacaremos no sétimo dia, pela manhã, quando as proteções estiverem em seu ponto mais fraco, antes da recarga programada.”

O plano foi executado com precisão militar. Na madrugada do sétimo dia após a última recarga, o exército do norte mobilizou-se em silêncio absoluto. Todas as máquinas de cerco foram posicionadas durante a noite, camufladas com tecidos escuros para evitar detecção prematura.

Ao primeiro raio de sol, Ranael ergueu sua espada — o sinal para o ataque começar. Em perfeita sincronia, todas as catapultas e trabucos dispararam simultaneamente, direcionando seu fogo concentrado para uma única seção da muralha sul.

 

 

Os defensores, pegos completamente de surpresa por esta mudança repentina de tática após meses de cerco relativamente previsível, responderam com desorganização inicial. Quando finalmente começaram a concentrar seus arcanistas para reforçar o ponto atacado, já era tarde demais.

A seção visada da muralha, seu reforço arcano no ponto mais fraco, começou a apresentar rachaduras após apenas meia hora de bombardeio contínuo. Quando a primeira brecha surgiu, Ranael ordenou imediatamente que os paladinos de Ul'ham avançassem, seguidos de perto pelas tropas de choque da antiga Nakaran.

A batalha que se seguiu foi brutal e caótica. Os defensores lutaram com o desespero de quem sabe que não há retirada possível, enquanto os invasores avançavam com a confiança de quem sente a vitória ao alcance após longa espera.

O arcanismo avançado de Grupta garantiu que cada metro conquistado fosse pago com sangue. Armadilhas arcanas ativavam-se à passagem dos soldados, criando explosões, campos de força que cortavam como lâminas, ou simplesmente alterando a própria estrutura das ruas para criar obstáculos mortais. Os arcanistas da cidade, embora enfraquecidos pelo cerco prolongado, ainda eram muito mais habilidosos que os encontrados nos Reinos Elementais.

Foi nestas ruas que Ranael enfrentou alguns dos combates mais difíceis de sua carreira militar. A Lâmina da Alma provou-se inestimável, sua capacidade de drenar vida de seus inimigos, permitindo que o rei se mantivesse incansável e se recuperasse de ferimentos que teriam incapacitado qualquer outro guerreiro.

Em um momento particularmente crítico, quando um grupo de arcanistas de elite formou uma barreira de energia pura que impedia o avanço para o centro da cidade, Ranael pessoalmente liderou uma carga suicida. Seis homens morreram nos primeiros segundos ao atingir a barreira, mas o rei, protegido pelo poder de sua lâmina, conseguiu atravessá-la, embora não sem custo. Quando emergiu do outro lado, sua armadura estava parcialmente derretida e sua pele exibia queimaduras graves. No entanto, à medida que abatia os arcanistas surpresos, a lâmina transferia-lhes a vitalidade para seu corpo, curando-o visivelmente a cada golpe.

O palácio central de Grupta, uma estrutura imponente de pedra, cristal e metal que parecia desafiar as leis da física, foi o último reduto de resistência. Kail Freidhoof, o líder de Grupta, havia reunido ali sua família e seus melhores guerreiros e arcanistas para uma última defesa desesperada.

Quando as portas principais foram finalmente derrubadas, após horas de assalto contínuo, Ranael e Ul'ham lideraram pessoalmente a investida final. O grande salão do palácio transformou-se em um cenário apocalíptico onde o arcanismo defensivo e o poder ofensivo dos invasores colidiam em explosões de energia pura.

Kail Freidhoof, um homem alto de meia-idade com runas complexas em suas mãos, lutou com a ferocidade de um líder que sabe que seu tempo acabou. Usando um cajado encimado por um cristal pulsante, manipulava múltiplos elementos simultaneamente — paredes de fogo, projéteis de rocha solidificada, jatos de água pressurizada que cortavam metal.

No entanto, a superioridade numérica, combinada com a exaustão dos defensores após meses de cerco, determinou o resultado inevitável. Quando seus arcanistas caíram um a um, Kail retirou-se para os aposentos reais, onde sua família aguardava.

A cena que Ranael e Ul'ham encontraram ao arrombar as portas ficaria gravada em suas memórias. Kail estava de pé diante de sua esposa e filhos mais velhos, todos armados e prontos para o fim. No canto do quarto, uma jovem serva segurava um embrulho que se mexia levemente — um bebê, o filho caçula do governante.

“Acabou, Freidhoof”, declarou Ranael, a Lâmina da Alma gotejando sangue ao seu lado. “Renda-se e garanto uma morte rápida para você e sua família.”

“A morte virá para todos nós eventualmente”, respondeu Kail com surpreendente dignidade. “A questão é como escolhemos enfrentá-la.”

O que se seguiu foi uma demonstração final e desesperada de habilidade arcana. Kail esmagou o cristal de seu cajado na própria mão, absorvendo sua energia diretamente. Por um momento glorioso e terrível, tornou-se um condutor puro de poder arcano, seu corpo brilhando com luz interior que vazava através de seus olhos e boca.

A explosão resultante foi contida apenas pela arquitetura reforçada do palácio. Quando a poeira baixou, Kail e sua família imediata haviam sido reduzidos a cinzas, mas haviam levado consigo dezenas de soldados invasores que estavam mais próximos.

No meio do caos, poucos notaram a jovem serva escapando por uma passagem secreta, o bebê real firmemente protegido em seus braços.

A queda de Grupta marcou o ponto decisivo na campanha do sul. Com sua capital conquistada e seu líder morto, os territórios remanescentes renderam-se em rápida sucessão. Em questão de semanas, todo o sul, com exceção da poderosa Aurora Arcana, estava sob o controle do norte unificado.

Ranael estabeleceu seu quartel-general temporário no palácio de Grupta, aproveitando a infraestrutura existente e a posição estratégica da cidade. Durante as duas semanas seguintes, dedicou-se a reorganizar suas forças, tratar os feridos, integrar recursos capturados e, mais importante, planejar meticulosamente o ataque final contra Aurora Arcana.

Os relatórios de seus espiões e batedores eram tanto encorajadores e preocupantes. Por um lado, as defesas da Aurora Arcana estavam totalmente mobilizadas, com fortificações reforçadas e um número impressionante de arcanistas preparados para a batalha. Por outro lado, curiosamente, uma parte significativa da frota naval da cidade havia partido recentemente rumo ao sul, por razões desconhecidas.

“Eles estão buscando aliados”, teorizou um dos conselheiros. “Ou talvez evacuando tesouros e conhecimentos valiosos.”

Ranael considerou a informação com cuidado. “Seja qual for o motivo, representa uma divisão de recursos que podemos explorar. Aurora Arcana é a fonte do arcanismo em Anthares — sua queda será não apenas estratégica, mas simbólica.”

Enquanto as tropas se preparavam para a marcha final, Ranael e Ul'ham eram frequentemente vistos nos terraços superiores do palácio, observando o horizonte na direção sudeste, onde seu último e maior desafio aguardava.

“Aurora Arcana não será como os outros”, comentou Ul'ham certa noite, enquanto contemplavam as estrelas. “Seus arcanistas estão no auge de sua arte, não são praticantes provincianos ou imitadores. Enfrentaremos o poder arcano em sua forma mais pura e potente.”

Ranael sorriu, sua mão acariciando inconscientemente o cabo da Lâmina da Alma. “Quanto maior o desafio, mais doce a vitória. Quando Aurora Arcana cair, não restará nenhum poder neste continente capaz de se opor a nós.”

Na manhã seguinte, o estandarte do Reino de Ranael foi erguido sobre as muralhas conquistadas de Grupta, enquanto o exército do norte, agora enriquecido com recursos e conhecimentos do sul, formava-se nas planícies fora da cidade. Sessenta mil veteranos endurecidos por meses de campanha, acompanhados por dezoito mil paladinos de Ygha, preparavam-se para a marcha final.

À frente desta força impressionante, Ranael e Ul'ham montavam lado a lado, suas figuras destacando-se contra o sol nascente. O destino de Anthares seria decidido nas próximas semanas, e ambos os líderes sabiam que a história lembraria eternamente dos homens que unificaram o continente, não importando o custo em sangue e sofrimento.

O tambor de guerra soou, profundo e ressonante, dando início à marcha. O exército avançou como uma maré implacável, deixando para trás a conquistada Grupta e dirigindo-se para seu destino final: Aurora Arcana, o berço do arcanismo e o último bastião de resistência ao domínio de Ranael sobre Anthares.

 

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Gabriel

Yampick

Elfo Ancestral Mago Arcano

"Um dos pilares da criação de Arcania."

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